Naiá e o mar

Naiá tinha sorriso e vida nos olhos, mas dos lábios nenhum murmúrio se esvaia. Havia um silêncio ao seu redor, mesmo que todo o mundo pulsasse exuberante ruído. Naiá era calada, mas sua natureza reverberava palavras.

Mesmo que ela não soubesse.

Mesmo que ela não conseguisse explicar.

Seu silêncio dizia tanto.

Seu silêncio contava tantas coisas sobre Naiá…

Um dia Naiá saiu cedinho de casa, o brilho arroxeado do sol banhando o horizonte e o tempo ainda frio – quase gelado pela brisa da madrugada que morria. Sua mãe não a viu atravessar a casa de um único cômodo, passos tão silenciosos quanto ela mesma, nem sequer a viu abrir a porta, cuja ferrugem produzia ruídos que só podiam ser minimizados com muito cuspe.

Ela desceu a escadaria escorregadia do pequeno bairro onde morava, a descida do morro como sempre sendo sua maior diversão. Na vila, alguns moradores já acordavam – serem viventes do mar, que agiam conforme a maré. Ela acompanhou uma pequena leva de pescadores, que ralharam com ela, também em seus silêncios, mas não a impediram de segui-los. Ela os seguiria de todo jeito. Naiá tinha uma força e uma vontade que ninguém conseguia explicar.

Na praia, de areia escura e muito grossa, ela deixou os pés desenharem figuras enquanto caminhava em direção ao mar. Naquele dia Naiá viu o sol nascer, como há muito tempo não fazia – a coloração dourada pintando o céu e o calor atravessando sua pele marrom a ponto de arrepiar os pequeninos pelos. Desde… bom, desde um tempo que ela já não mais lembrava, quando ela ainda tinha um pai, quando ele ainda se fazia presente em corpo. E vida.

Dessa vez o sorriso de Naiá desceu de seus olhos e tomou os lábios. À medida que o sol ultrapassava nuvens, o sorriso de dentes pequenos crescia. O silêncio dentro de Naiá retumbava. Como se quisesse explodir para fora. Como se quisesse ser outro. Outro. Outro. Alguém mais.

Foi nesse dia que o mar a chamou pela primeira vez.