Manhã de Outubro

Luísa abriu os olhos. Entre as nuvens de cílios que se debatiam, aprumou a vista. Aquele não era um lugar comum. De certo, não poderia assim adjetivá-lo. Sob qualquer hipótese.

Ocorre que tal implicação não decorre de simples desconhecimento do espaço.

Ia além.

Talvez porque ela o conhecesse muito bem. E mais, passasse horas e horas em dias sem fim. Desde quando, sequer lembrava. Pouca coisa lembrava no decorrer dos anos de sua vida. E disso não poderia discordar.

Então espichou os braços. Aprumou a vista. Respirou profundo.

A sensação já prevista de acordar naquele lugar dava espaço para outra coisa. Alguma coisa que mexia em seu intimo, apertava por dentro, e, céus, aquecia! Sim, ela podia sentir o calor percorrendo seu peito enquanto os batuques frenéticos do coração ganhavam som, como se estivessem expostos – explodidos para fora.

Em sua face se pintou o ar de susto.

Inevitável.

Estranho perceber aquele lugar como outro.

Se a motivação inicial de sua presença constante fora uma, agora tudo lhe parecia diferente. Era a incomum sensação da primeira vez – enquanto as mãos suavam nervosas e os lábios tremiam.

Tremor.

Tremor que somava espaço com as dúvidas que lhe preenchiam a mente. Tremor e temor. Assim sentiu-se resumida às poucas horas da manhã.

Como um animal assustado, apertou-se.

Percebeu o suor frio brotar da tez pálida. E o medo de que tudo mudasse, de que a sensação daquele lugar lhe fosse perdido – talvez para sempre – a paralisava por fora, ainda que dentro de si um mundo se movimentasse cada vez mais intensamente.

As lembranças não se dissolviam. Sequer o fariam, sabia.

Cada detalhe da mudança seria absorvido, vidrado em seus olhos, pele, sentidos. Tudo em si parecia girar sob essa perspectiva. Sensorial. Era como se sentia. Como se ainda pudesse perceber cada movimento, cada sussurro cálido.

Encolheu-se ainda mais em medos. A memória lhe tomando o espírito. Tornava-se, então, uma soma de coisas.

A Luisa já não era simplesmente Luísa.

Aquele lugar, não lhe seria mais simplesmente o seu lugar incomum.

Seriam então, ela e ele, a soma de mais uma experimentação. E, por sorte, atreveu-se pensar, o ato de experimentar é capaz de mudar qualquer um.

Até mesmo uma garota em seus primeiros anos juvenis.

Até mesmo um lugar.

Aquele lugar. O seu lugar incomum. Cujas paredes receberam suas primeiras pinturas, pacientemente escutou seus lamentos, tolerou suas crises, acalentou seus sonhos. Um lugar tão incomum e tão seu, o qual toda manhã a despertava com o vento frio que atravessava a janela e o límpido sol que explodia entre os olhos acobreados.

Luisa, que já não era a mesma Luisa, retesou-se ainda mais ao sentir o movimento ao seu lado.

Não demorou a encontrar os outros olhos. Olhos de tom conhecido e ar atrevido, cujos sorrisos de dentes pálidos os alcançavam.

Coração aos saltos, mãos trêmulas, mente em polvorosa. Luísa derramava-se a cada segundo – em desespero, dúvidas e medo. Morria rapidamente e ressuscitava sôfrega, enquanto o outro personagem conhecido, cuja personalidade lhe era tão incomum quanto era o quarto, ensaiava frágeis sorrisos, depois um toque – um afago.

Respiração suspensa, lábios encontrando os seus para o primeiro beijo matinal.

E que fosse infinito enquanto durasse.